2022-12-09
Quando estamos perante grandes eventos desportivos, como é o caso do Mundial de Futebol do Catar 2022, o público está extremamente atento a todos os pormenores quotidianos dos atletas profissionais. Existe uma grande pretensão para saber aspetos relacionados com a nutrição: o que comem e quando comem, o que bebem e quando bebem, que suplementos utilizam. Naturalmente, abordar profundamente todas as temáticas envolvidas tornar-se-ia demasiado extenso. Desta forma, o presente artigo visa reunir os conteúdos centrais.
A nutrição é especializada a cada indivíduo consoante as diferentes necessidades, sendo, por isso, necessário compreender primeiro as exigências da modalidade: atividade intermitente de alta intensidade em que os jogadores assumem posições e estilos de jogo diferentes, sendo exigidas um grande leque de competências como o salto, a corrida, o caminhar, o chutar, as mudanças de direção (muitas vezes, bruscas) e contactos físicos.
Excluindo os guarda redes, a frequência cardíaca média dos jogadores é de 85% do máximo e a uma intensidade média de 70% do VO2máx, o equivalente a um gasto calórico de 1300 a 1600Kcal aproximadamente, sendo 60 a 70% hidratos de carbono (CHO) (o correspondente a 195-280g de CHO por jogo). Já o gasto calórico em dia de jogo é aproximadamente 3500kcal. Entretanto, embora exista pouca evidência científica, os guarda-redes não apresentam demandas energéticas tão elevadas. Ainda assim, raramente são substituídos durante o jogo e, por isso, têm de se aguentar firmes e focados durante um período mínimo de 90 minutos.
Nos últimos anos, a distância média percorrida pelos jogadores parece ter diminuído ligeiramente, no entanto, o dispêndio energético aumentou derivado a um aumento de sprints e ações de alta intensidade em 30 e 50%, respetivamente. Para além disso, com a evolução tecnológica foi possível constatar um aumento do número de passes, mostrando assim o papel preponderante da nutrição no desempenho físico e cognitivo do jogo.
Posto isto, começaremos por abordar a nutrição no dia anterior ao jogo (MD-1). Conforme aclarado, os CHO são o principal combustível durante um jogo de futebol, pelo que, é de extrema preocupação no MD-1 abastecer os níveis máximos de glicogénio. Embora não sejam conhecidos com exatidão os valores a que chegam a baixar as reservas de glicogénio após o jogo, sabe-se que numa liga dinamarquesa de 2ª divisão 50% das fibras musculares estão completamente esgotadas. Face a isto, percebe-se facilmente que atletas que no minuto zero do jogo tenham baixa disponibilidade de reservas de glicogénio terão um pior rendimento global, nomeadamente ao nível da capacidade de sprint e de corrida total. Levando este conceito até ao campeonato do mundo, em que o tempo de recuperação entre jogos é curto, para que o armazenamento seja eficaz, é aconselhada a ingestão de CHO até 72h entre jogos. Esta metodologia alimentar deve ser aplicada com quantidades a rondar 6 a 8g/kg de peso corporal, com a ressalva de serem ajustadas consoante os níveis de gordura e fontes proteicas. Não esquecer no MD-1 do estado de hidratação - o principal mecanismo para dissipar o calor metabólico, que deve ser medido através da cor, osmolaridade (<700 mOsmol/kg) e densidade da urina (<1,020), sensação de sede e massa corporal.
Entretanto, durante o jejum noturno as reservas de glicogénio hepático descem para cerca de 50%, pelo que, no dia de jogo (MD) é de extrema importância a ingestão de CHO na proporção 1-3 g/kg peso corporal 3 a 4h antes do jogo. Esta refeição terá de ser de fácil digestão e deve respeitar os rituais dos atletas pré-jogo. Novamente, o estado de hidratação não pode ser esquecido: 5-7ml/kg de peso corporal 2-4h antes.
Durante o jogo, deve ser ingerido entre 30-60g CHO por cada metade ou antes de cada metade de tempo regulamentar – isto é, após o aquecimento e durante o intervalo. Esta última estratégia tem vantagem em ambientes quentes, como no campeonato mundial deste ano, porque se assegura uma ingestão de CHO mais espaçada no tempo. Além disso, nestes momentos e mais importante ainda quando as seleções passam as fases de grupo e ficam sujeitas a prolongamento e grandes penalidades, bochechar com bebidas contendo CHO pode não só melhorar o rendimento através do combustível ingerido, mas também melhorar a perceção de esforço pela estimulação cognitiva. Relativamente à ingestão de líquidos, embora a taxa de sudorese seja um parâmetro muito individual (0,5-2,5L/hora), sabe-se que uma hipohidratação pode promover uma diminuição da performance provocada por uma tensão cardiovascular, função cognitiva prejudicada, aumento da perceção de esforço, função física e habilidades técnicas reduzidas. Desta forma, a ingestão de líquidos deve atender a que não haja uma diminuição da massa corporal em 2 a 3% e, por outro lado, que também não ocorra um aumento de peso (a hiperhidratação também é prejudicial).
Por fim, a fase de recuperação no momento pós-jogo. Uma das formas principais para recuperar rapidamente é através do aumento rápido das reservas de glicogénio. Para isso, nas 4h pós jogo devem ser ingeridas 4 refeições (1 por hora) com 1g/kg de peso corporal de CHO. Em contrapartida, em jogos noturnos esta estratégia torna-se inviável, sendo necessário estabelecer nos dias seguintes as 6-8g/kg de CHO. Restabelecer o peso através da hidratação é algo necessário e a ingestão de líquidos pode ser de 1,5 vezes o peso corporal perdido (a ingestão de líquidos pode conter CHO). Concomitante com os CHO, deve ocorrer uma ingestão de 20-30g de proteína de alto valor biológico em intervalos de 3-4h.
Em suma, estas são algumas das estratégias alimentares a ter em conta durante um torneio de futebol, nomeadamente o campeonato do mundo do Catar. Suplementação, alimentação em fase de treino, recuperação de lesão, jovem atleta e atleta feminina de futebol serão temas a abordar em próximos artigos!
Bibliografia